Maria é culpade!
II.
as paredes de um pedaço da
vida
me disseram:
sorria pequene
tu é tão linde
tu é t ã o linde
e eu juro que
quase
quase acreditei
mas era parede.
Maria
dormia fazia mais de um mês nos corredores brancos da Universidade de Brasília,
numa tentativa infantil de pôr combustível em suas próprias militâncias, antes
de iniciar a história, me apresentarei conforme manda o molde, já que hoje em dia a gente é categoria. Essa história, esse
relato, é um relato de uma mulher negra moradora do Plano Piloto, vinda do Rio
de Janeiro, especificamente da Zona Oeste do Rio de Janeiro, vinda de uma
família negra, pobre, e bastante empenhada em viver um dia de cada vez, uma
família cheia de brigas, contradições... Eu sugiro que os pretos que não
consideram esta categoria, esta história como parte do relato de genocídio negro, porque
somos privilegiados do Plano Piloto, e toda essa história de ninar maravilhosa, que
pra você tem pouca pobreza demais, pra ser um relato preto, porque o estereótipo
de sermos sempre fudidos para nos enxergamos enquanto pretos dignos de fala,
foi vendido e está sendo vendido em cada canal de televisão, inclusive que
passa na sua TV de plasma gigantesca, TV que tinha na casa de Maria, protagonista da história, e TV essa que todos dessa
classe média possuem, e este esteriótipo da pobreza está impregnado até o talo e se faz como base nos processos de
embranquecimento desse mesmos pretos privilegiados do plano piloto, parte
estruturante, eu diria, deste processo, processo não, assassinato né, suicídio
pra nós. Enfim.
Este processo
embranquecedor próprio de uma galera preta classe média, e lógico, claro,
evidentemente, e blá-blá-blá, que eu não digo isso, de to-das as pessoas negras, eu
digo, e falo de você, preto militante da classe média, que é hipócrita e
diz que é da periferia porque acha que do seu lugar de fala, não se tem fala
negra, nem problemática negra, e esta hipocrisia não se deve por falta de informação, mas por parte de um
processo colonizador branco bem certeiro, que te fazer crer que você, pelo lugar que ocupa, não é negro, e esse comportamento de IBGE também se reverbera nas pessoas negras, que buscam categorizar quem é mais negro ou quem é menos negro dependendo da quantidade de cédulas no bolso. Muito do pardismo
tem a ver com o pacto que essa mesma classe média faz em apagar seu passado
negro, sua história negra, sua ancestralidade negra, e isso tem gerado um passo
em direção contrária a nossa tão sonhada União Preta. Lombra, né? Santa
ingenuidade a nossa, a sua, e daqueles, (que Nunca nós, eu-e-você né, Nunca, mas
tá), aqueles que estereotipam mais a nossa realidade. Se a gente não começar a
debater, e debater sério sobre essa classe média negra, que é hipócrita, que é
servidora pública, que é militar de carreira, que inclusive, está presente
neste eterno êxodo diaspório dentro do país, desta população negra, como no caso que
se dá aqui em Brasília com famílias negras que se mudam do Sudeste pra Brasília,
por transferência militar, que vem de lugares periféricos mas que aceitam em
troca de uma amnésia com lucros, ou melhor uma senzala com ar-condicionado esquecer sua própria história, e
isso é parte da realidade de muitas famílias negras que moram na Asa Sul, por exemplo, que é
a realidade que vou falar neste conto, porque muito da nossa desunião, vem dessa hipócrita classe
média preta com seus pardismos, isto é com seus acordos brancos. Dizem que lá no passado, e
ouvi isso de um Babalorixá, que os africanos não confiavam nos negros
brasileiros para compartilhar os segredos de seus cultos religiosos, por medo
de que estes negros brasileiros entregassem seus segredos aos brancos, receio do acordo, do tal
acordo destes negros brasileiros, nós, e agora nós dessa classe média preta que herda esse comportamento de pardo, de estar lá e cá, que se ludibria com a promoção de bobo da corte do mês, ou até entrega todo um povo por um caso de amor branco. Enfim.
Maria
buscava o movimento negro universitário por sede de revolução, real oficial, de
algo que poderia fazer pela sua gente no lugar que ocupava, foi em algumas
reuniões, com seu amor-suicida da época, que já era tapas e milhões de tapas de
relatos, infelizmente ou felizmente Maria tá viva, ou natimorta, já que sou e
não ela que escreve essa história. Maria foi parar dentro de um movimento, dito
negro, de uma dita Universidade, com B maiúsculo, de acordo com os
chiquérrimos parâmetros CAPES que nos aponta que a UnB tá acima da média. Engraçado! Quem
estuda ou frequenta ou orbita de alguma forma neste lugar, sabe que pra baixo
da média é o mínimo de eufemismo que se dá pra UnB. É tanta negligência que se
a gente for esparrar, e eu vou eventualmente, a sujeira, o passa pano como Lei
Central, Eixo Horizontal da UnB, digamos, talvez, pensando por aí, possamos
entender o porquê do número de suicídios aumentarem ano após ano nesta
universidade, saúde mental precarizada, e negligenciada pela própria
universidade e seus chupa 17, inclusive esta sempre se mantém no silêncio dos
covardes, bem próprio também do movimento de esquerda branca universitário, que
é um retrato bem fiel da galera branca, também de esquerda, só que com
doutorados que compõem a reitoria, essa universidade negligencia com pessoas
pretas periféricas e não periféricas, os da periféria sumindo, também em
surto,e os que são do plano tão em surto ou beirando a um, ou tão fazendo seus
pactos com os brancos ditos amigos de suas escolas particulares custeadas a
base de remédio anti-depressivo, e se clareando, é claro, pra ser aceito na
grande seita pardista. A UnB continua a negligenciar com aqueles que gritavam
e, com aqueles que ainda gritam por ajuda, e isso se mantém ano após ano, afinal a universidade tem sempre a lei de: ou
a gente deixa o estudante negro vagando pelos corredores, aí vai dá
responsabilidade dele de procurar um atendimento, ou a gente interfere com uma
segurança de iluminação de postes e diz tá fechado com o palanque da
Diversidade, diz que tá pro debate, isto já nos mostra a cara que faz essa
esquerda, bem branca, bem limpinha, com seus sustentáculos pardos. Quem tá
vivo, e é preto na Universidade de Brasília, sabe muito bem, a pressão
constante pra lidar com a hipocrisia e branquidade do espaço. Enfim. Maria.
Maria por ali orbitou por uns tempos, essa
universidade tinha o dom de retirar todas as suas forças, a um ponto de perder
sua própria sanidade, sobriedade, ás vezes regada a muita droga, outras vezes
só de estar ambientada ali, com os que já se foram ou que tavam quase indo, com
os que tavam perdidos de outros caminhos e ali se assentavam, outros que dali
se saíssem seriam internados no HPAP, realidade desta universidade, de lá, só
de estar, Maria já se tornava embadagada por esta vida, energia beirando a
zero, crises de ansiedade costuradas a pânico elevados, Maria sempre teve uma
coroa muito iluminada, o povo que nos ronda por ajuda rapidamente encontravam
ou davam um jeito de encontrar Maria pra irem embora, buscavam Maria, não só
Maria como sua amiga Brasil, e diversas outras que por ali orbitavam fazia
meses, e outras que agora estão.
Maria
vagava e vagava e vagava pela universidade, ás vezes andava tanto que parecia
estar atrás de algum lugar, de alguém, ás vezes andava muito rápido, parecia
fugida, mas fugia andando em círculos, difícil né? Seu coração disparava, mas
era nada, não no plano real. A sensação que nos dá na UnB, é a de estarmos
pagando por alguma vida que ali ficou, preta no caso de Maria.
Muitas
vezes, Maria acordava ia com sua amiga Brasil no Lago que tinha no final do
Centro Olímpico, catavam as bia, fumavam, sonhavam com o privilégio de comerem
bem, saírem daquela energia, daquela universidade e quem sabe serem felizes, e
retornarem pra família com alguma coisa, Maria pôde conhecer outras ruas que
orbitam para dentro desta Universidade, e são inúmeras, e inúmeros os caminhos.
Rege
a lenda branca que a Universidade de Brasília tem diversos corpos de
estudantes embaixo de sua terra, eu digo
lenda porque os próprios estudantes brancos de hoje que lá estudam, não vingam
a sua própria história oficial, da tão famosa ditadura civil militar, essa
mesma gente branca não busca defender, nem cuidar de seus antepassados que na
terra da UnB morreram, aqueles poucos que entre eles foram mortos, por estarem lutando por aqueles
que já morriam aos montes, fora desse espaço bolha elitista, e que realmente
eram e são o alvo, inclusive karin sant'anna kossling tem uma dissertação, tapa
de relato sobre a perseguição do antigo DOPS para com os estudantes negros do
Rio de Janeiro, e intelectuais negros, estudiosos negros, nós em em geral. ,
O
dono desta terra universitária, talvez, e digo talvez, não goste muito do nosso
esquecimento perante o massacre que se deu aqui. Diversas pessoas não conseguem,
muitas vezes, lidar com a energia dos mortos, que na UnB habitam, é a
negligência branca, que negligencia, e digo isso porque se branco tem
ancestralidade, então eles deveriam cuidar da Morte, dos seus antepassados
ainda mais os que morreram injustamente, como disse um babá, que inclusive
passou pela UnB: devíamos cuidar da Morte, pois ela como a Vida compõe o homem,
o mundo que vivemos. Mas, branco não entende de dever, e resta pros pretos do
espaço sentir a tamanha energia, e guerra que ali tem, a responsabilidade.
Veja.
Maria
por um tempo, começou a ficar muito louca pelos corredores, acendia pela
madrugada diversas velas, no subsolo do ICC, colocava algumas carnes que
cheiravam bem, aceboladas, nas árvores, farofas em outros lugares, e todos os
brancos que a olhavam a consideravam louca, uma que já não tava mais nessa
realidade. São inúmeras negligencias, mas eu continuo esta história depois. Se
eu sentir que vocês tão realmente prestando atenção no que tá sendo relatado. E
entendendo.