quarta-feira, 14 de novembro de 2018


Maria é culpade!

II.
as paredes de um pedaço da vida
me disseram:
sorria pequene
tu é tão linde
tu é t ã o linde
e eu juro que
quase
quase acreditei
mas era parede.

                Maria dormia fazia mais de um mês nos corredores brancos da Universidade de Brasília, numa tentativa infantil de pôr combustível em suas próprias militâncias, antes de iniciar a história, me apresentarei conforme manda o molde, já que hoje em dia a gente é categoria. Essa história, esse relato, é um relato de uma mulher negra moradora do Plano Piloto, vinda do Rio de Janeiro, especificamente da Zona Oeste do Rio de Janeiro, vinda de uma família negra, pobre, e bastante empenhada em viver um dia de cada vez, uma família cheia de brigas, contradições... Eu sugiro que os pretos que não consideram esta categoria, esta história como parte do relato de genocídio negro, porque somos privilegiados do Plano Piloto, e toda essa história de ninar maravilhosa, que pra você tem pouca pobreza demais, pra ser um relato preto, porque o estereótipo de sermos sempre fudidos para nos enxergamos enquanto pretos dignos de fala, foi vendido e está sendo vendido em cada canal de televisão, inclusive que passa na sua TV de plasma gigantesca, TV que tinha na casa de Maria, protagonista da história, e TV essa que todos dessa classe média possuem, e este esteriótipo da pobreza está impregnado até o talo e se faz como base nos processos de embranquecimento desse mesmos pretos privilegiados do plano piloto, parte estruturante, eu diria, deste processo, processo não, assassinato né, suicídio pra nós. Enfim.
            Este processo embranquecedor próprio de uma galera preta classe média, e lógico, claro, evidentemente, e blá-blá-blá, que eu não digo isso, de to-das as pessoas negras, eu digo, e falo de você, preto militante da classe média, que é hipócrita e diz que é da periferia porque acha que do seu lugar de fala, não se tem fala negra, nem problemática negra, e esta hipocrisia não se deve  por falta de informação, mas por parte de um processo colonizador branco bem certeiro, que te fazer crer que você, pelo lugar que ocupa, não é negro, e esse comportamento de IBGE também se reverbera nas pessoas negras, que buscam categorizar quem é mais negro ou quem é menos negro dependendo da quantidade de cédulas no bolso. Muito do pardismo tem a ver com o pacto que essa mesma classe média faz em apagar seu passado negro, sua história negra, sua ancestralidade negra, e isso tem gerado um passo em direção contrária a nossa tão sonhada União Preta. Lombra, né? Santa ingenuidade a nossa, a sua, e daqueles, (que Nunca nós, eu-e-você né, Nunca, mas tá), aqueles que estereotipam mais a nossa realidade. Se a gente não começar a debater, e debater sério sobre essa classe média negra, que é hipócrita, que é servidora pública, que é militar de carreira, que inclusive, está presente neste eterno êxodo diaspório dentro do país, desta população negra, como no caso que se dá aqui em Brasília com famílias negras que se mudam do Sudeste pra Brasília, por transferência militar, que vem de lugares periféricos mas que aceitam em troca de uma amnésia com lucros, ou melhor uma senzala com ar-condicionado esquecer sua própria história, e isso é parte da realidade de muitas famílias negras que moram na Asa Sul, por exemplo, que é a realidade que vou falar neste conto, porque muito da nossa desunião, vem dessa hipócrita classe média preta com seus pardismos, isto é com seus acordos brancos. Dizem que lá no passado, e ouvi isso de um Babalorixá, que os africanos não confiavam nos negros brasileiros para compartilhar  os segredos de seus cultos religiosos, por medo de que estes negros brasileiros entregassem seus segredos aos brancos, receio do acordo, do tal acordo destes negros brasileiros, nós, e agora nós dessa classe média preta que herda esse comportamento de pardo, de estar lá e cá, que se ludibria com a promoção de bobo da corte do mês, ou até entrega todo um povo por um caso de amor branco. Enfim.
            Maria buscava o movimento negro universitário por sede de revolução, real oficial, de algo que poderia fazer pela sua gente no lugar que ocupava, foi em algumas reuniões, com seu amor-suicida da época, que já era tapas e milhões de tapas de relatos, infelizmente ou felizmente Maria tá viva, ou natimorta, já que sou e não ela que escreve essa história. Maria foi parar dentro de um movimento, dito negro, de uma dita Universidade, com B maiúsculo, de acordo com os chiquérrimos parâmetros CAPES que nos aponta que a UnB tá acima da média. Engraçado! Quem estuda ou frequenta ou orbita de alguma forma neste lugar, sabe que pra baixo da média é o mínimo de eufemismo que se dá pra UnB. É tanta negligência que se a gente for esparrar, e eu vou eventualmente, a sujeira, o passa pano como Lei Central, Eixo Horizontal da UnB, digamos, talvez, pensando por aí, possamos entender o porquê do número de suicídios aumentarem ano após ano nesta universidade, saúde mental precarizada, e negligenciada pela própria universidade e seus chupa 17, inclusive esta sempre se mantém no silêncio dos covardes, bem próprio também do movimento de esquerda branca universitário, que é um retrato bem fiel da galera branca, também de esquerda, só que com doutorados que compõem a reitoria, essa universidade negligencia com pessoas pretas periféricas e não periféricas, os da periféria sumindo, também em surto,e os que são do plano tão em surto ou beirando a um, ou tão fazendo seus pactos com os brancos ditos amigos de suas escolas particulares custeadas a base de remédio anti-depressivo, e se clareando, é claro, pra ser aceito na grande seita pardista. A UnB continua a negligenciar com aqueles que gritavam e, com aqueles que ainda gritam por ajuda, e isso se mantém ano após ano,  afinal a universidade tem sempre a lei de: ou a gente deixa o estudante negro vagando pelos corredores, aí vai dá responsabilidade dele de procurar um atendimento, ou a gente interfere com uma segurança de iluminação de postes e diz tá fechado com o palanque da Diversidade, diz que tá pro debate, isto já nos mostra a cara que faz essa esquerda, bem branca, bem limpinha, com seus sustentáculos pardos. Quem tá vivo, e é preto na Universidade de Brasília, sabe muito bem, a pressão constante pra lidar com a hipocrisia e branquidade do espaço. Enfim. Maria.
             Maria por ali orbitou por uns tempos, essa universidade tinha o dom de retirar todas as suas forças, a um ponto de perder sua própria sanidade, sobriedade, ás vezes regada a muita droga, outras vezes só de estar ambientada ali, com os que já se foram ou que tavam quase indo, com os que tavam perdidos de outros caminhos e ali se assentavam, outros que dali se saíssem seriam internados no HPAP, realidade desta universidade, de lá, só de estar, Maria já se tornava embadagada por esta vida, energia beirando a zero, crises de ansiedade costuradas a pânico elevados, Maria sempre teve uma coroa muito iluminada, o povo que nos ronda por ajuda rapidamente encontravam ou davam um jeito de encontrar Maria pra irem embora, buscavam Maria, não só Maria como sua amiga Brasil, e diversas outras que por ali orbitavam fazia meses, e outras que agora estão.
            Maria vagava e vagava e vagava pela universidade, ás vezes andava tanto que parecia estar atrás de algum lugar, de alguém, ás vezes andava muito rápido, parecia fugida, mas fugia andando em círculos, difícil né? Seu coração disparava, mas era nada, não no plano real. A sensação que nos dá na UnB, é a de estarmos pagando por alguma vida que ali ficou, preta no caso de Maria.
            Muitas vezes, Maria acordava ia com sua amiga Brasil no Lago que tinha no final do Centro Olímpico, catavam as bia, fumavam, sonhavam com o privilégio de comerem bem, saírem daquela energia, daquela universidade e quem sabe serem felizes, e retornarem pra família com alguma coisa, Maria pôde conhecer outras ruas que orbitam para dentro desta Universidade, e são inúmeras, e inúmeros os caminhos.
            Rege a lenda branca que a Universidade de Brasília tem diversos corpos de estudantes  embaixo de sua terra, eu digo lenda porque os próprios estudantes brancos de hoje que lá estudam, não vingam a sua própria história oficial, da tão famosa ditadura civil militar, essa mesma gente branca não busca defender, nem cuidar de seus antepassados que na terra da UnB morreram, aqueles poucos que entre eles  foram mortos, por estarem lutando por aqueles que já morriam aos montes, fora desse espaço bolha elitista, e que realmente eram e são o alvo, inclusive karin sant'anna kossling tem uma dissertação, tapa de relato sobre a perseguição do antigo DOPS para com os estudantes negros do Rio de Janeiro, e intelectuais negros, estudiosos negros, nós em em geral.  ,
            O dono desta terra universitária, talvez, e digo talvez, não goste muito do nosso esquecimento perante o massacre que se deu aqui. Diversas pessoas não conseguem, muitas vezes, lidar com a energia dos mortos, que na UnB habitam, é a negligência branca, que negligencia, e digo isso porque se branco tem ancestralidade, então eles deveriam cuidar da Morte, dos seus antepassados ainda mais os que morreram injustamente, como disse um babá, que inclusive passou pela UnB: devíamos cuidar da Morte, pois ela como a Vida compõe o homem, o mundo que vivemos. Mas, branco não entende de dever, e resta pros pretos do espaço sentir a tamanha energia, e guerra que ali tem, a responsabilidade.
Veja.
            Maria por um tempo, começou a ficar muito louca pelos corredores, acendia pela madrugada diversas velas, no subsolo do ICC, colocava algumas carnes que cheiravam bem, aceboladas, nas árvores, farofas em outros lugares, e todos os brancos que a olhavam a consideravam louca, uma que já não tava mais nessa realidade. São inúmeras negligencias, mas eu continuo esta história depois. Se eu sentir que vocês tão realmente prestando atenção no que tá sendo relatado. E entendendo.

terça-feira, 25 de setembro de 2018

Enlamade nesse gozo
que deixastes no meu corpo
nessa esquina exposta me ponho a trabalhar

sinto o sangue jorrar
e, na epiderme da carne, os roxos a aflorar:
tudo fruto desse teu bate penetra sempre a me violar

Não preciso
e Nem movo um único músculo de meu corpo
meus olhos captam os vultos que passam a assoviar

Já recebi inúmeros
Tapas, socos,
puxões, palavrões
pra esse abate se fincar

Inúmeros
Tapas, socões,
puxões, palavrões
pra esse abate se corporizar 

olho o ponteiro do relógio
penso: mais 5 minutos... e ele goza!

Escorre, enfim, teu prazer algoz colonial    

Lágrimas se iluminam em minha face
e o silêncio se faz Império patrimonial


domingo, 18 de fevereiro de 2018

Minha boca saliva a baba
Fruto desse ar apimentado
dessa orquestra a la Casa Grande
Desse sinhozinho Temer

Seus sustentáculos: Ordem e Progresso
Uma reescrita de Heinrich Himmler a la Walter Braga Netto
estampado de verde e amarelo o tumbeiro Exército a la SS
Financia as covas destinadas pros pretos favelados
Fechando com Pézão e convidados: o chão sedimentado pro triunfo sobre o extermínio em massa

No enterro dos rejeitados
a classe burguesa se afoga em consumo promocional
Gozam isteries
Com cada preto custando 4, 00 a hora pra serviço terceirizado a la escravatura

Essa pátria carrasca mimosa dos sonhos brancos de sinhozinho Temer
nos revira no estômago memórias de um tempo outro-este
O medo pousa em nosso peito que levanta nossa ginga
Que nos dá a força pra meia-lua
Que nos faz erguer
Que acelera e se desfaz como novelo
nas ondas que quebram e nascem nos seios de Yemanjá

Odoyá Yemanjá!
Banha de leite materno nossas entranhas
abraça forte o nosso peito negro
Ouço o riso do Dono de escravo, de outrora, na beira do precipício de minhas memórias

Mamãe Yemanjá!
Mela de sal minhas memórias: faz arder minhas feridas
Nos refugia, Yemanjá, em teu peito que como concha
guarda a nossa esperança: Nossa pérola negra encharcada de sangue e suor.

Tenhamos força, camará!


Joyce Viana